A Covid-19 e o sentido da vida – Perspetivas da atualidade em tempos de pandemia

A Covid-19 e o sentido da vida – Perspetivas da atualidade em tempos de pandemia

Este artigo é um ensaio filosófico realizado em 2020 sobre as perspetivas da atualidade em tempos de pandemia por COVID-19. Desta forma, pode conter informação desatualizada sobre a pandemia.

Sumário

Ao longo deste ensaio, iremos abordar determinados temas e perspetivas fundamentadas que se relacionam com a pandemia do coronavírus e, por conseguinte, o cenário devastador que esta tem consigo arrastado, e nos continua a afetar em diversos aspetos. Deste modo, a filosofia é uma forma de escapar a todo este drama e, de certa forma, constitui uma abertura do nosso pensamento relativamente à forma como se encontra a humanidade, uma reflexão sobre a situação atual, as suas consequências sobretudo a nível emocional, e os seus respetivos impactos na sociedade, além da análise de futuros acontecimentos pós-pandemia. “Não é a primeira vez que enfrentamos um dilema parecido. Por isso, podemos recorrer à história e à filosofia – sempre elas – e voltar os olhos para antigos pensamentos, a fim de questionar se as soluções finalmente adotadas podem ser consideradas éticas e, principalmente, humanas.” (Daniel Becker et al., 07/04/2020).

Introdução

O tema deste ensaio é A Covid-19 e o sentido da vida, e o seu objetivo é responder, tomando múltiplas perspetivas na atualidade, ao problema filosófico: Qual o impacto da Covid-19 na humanidade? COVID-19 é o termo, segundo a Organização Mundial da Saúde, atribuído à doença provocada pelo novo coronavírus SARS-COV-2. Este pode causar graves infeções respiratórias como é o caso da pneumonia. O vírus, identificado pela primeira vez na raça humana, no final de 2019, na cidade chinesa de Wuhan, província de Hubei, tem vindo a aumentar, descontroladamente, a sua área de proliferação. Atualmente, a Covid-19 já registou em todo o mundo mais de um milhão e meio de infetados e mais de oitenta mil mortes, sendo assim considerada, a doença mais catastrófica a seguir à II Guerra Mundial (DN/Lusa, 1 de abril 2020). 

Vivemos tempos difíceis, inéditos, “dias estranhos” para a maior parte da população. Estamos em casa, enclausurados, sem praticamente sair à rua. Passamos o tempo, sem dar conta da rapidez deste processo, aprofundados na dúvida, no desconforto, na incerteza de tudo o que se está a passar. Tentamos afastar-nos desta ideia, deste zumbido que parece não ter meios de como desaparecer, mas rapidamente somos de novo confrontados com um surpreendente clima de interrogação que não nos larga sequer por um momento: Afinal estamos perante o quê? Qual a sua dimensão? Temos essa perceção? Qual o nosso papel, admitindo que pertencemos a uma sociedade cada vez mais narcisista? Somos capazes de assumir tal responsabilidade? Subitamente, apercebemo-nos que este cenário, o impacto que está a ter em nós, e o seu crescimento brutal, vai muito mais além do que ousamos pensar. Esta pandemia está a ser muito importante do ponto de vista filosófico na medida em que nos altera a visão que temos do mundo, a nossa atitude irá sofrer alterações de forma radical, o nosso contacto com os outros,etc. A partir de agora as pessoas vão ter mais cautela e certamente irão valorizar tudo aquilo que, até à data, consideravam banal. Estamos, e isso é certo, a viver uma catástrofe histórica à escala mundial, que irá afetar todos sem exceção. Disso não tenham dúvidas.

Tese

Do nosso ponto de vista, esta crise despertou-nos. Aliás, está a revelar ao mundo a atitude de cada país e respetiva sociedade para combater a mesma. Isto envolve as decisões feitas, numa situação trágica e de súbito pânico como a que vivenciamos, a favor de colaborarem entre si e tomarem medidas concretas e conscientes, que contribuam para o avanço da humanidade, bem como para a resistência conjunta a esta situação. Deste modo, somos da opinião que neste momento devemos aprender uns com os outros, partilhar ideias e sobretudo conhecimento científico, fomentar a solidariedade internacional e evitar que se instale a rivalidade entre estados. Ao fazer o que está ao nosso alcance, o que nos compete, e a sermos acima de tudo responsáveis, estamos a contribuir para este “escudo” ao vírus em comunidade. Uma vez contaminados, facilmente nos tornamos possíveis focos de proliferação da doença. 

Sem dúvida que esta crise pandémica está a levar-nos ao limite, isto a nível físico, mental, financeiro, entre outros. Está a devastar-nos por completo justamente porque ninguém estava preparado para uma catástrofe de tamanha dimensão. Temos que saber reagir a esta situação e revelar, apesar dos obstáculos que possamos vir a enfrentar, a outra face da moeda. É a partir daí que começamos a perceber os nossos limites e o que podemos de facto fazer, como seres humanos civilizados, para conter o vírus e a sua constante propagação. 

Continuamos refugiados no medo e na incerteza do que irá acontecer quando tudo regressar à normalidade. A forma como interagimos com os outros está a mudar, estamos a tornar-nos mais individualistas, só a saúde nos preocupa. Diariamente ouvimos alguém falar sobre esta pandemia, desde O Presidente da República, o Primeiro- Ministro ao Governo em geral; médicos, enfermeiros, e toda a área da saúde; forças armadas, proteção civil, e segurança interna são todos responsáveis por tomar decisões que definem o rumo a tomar no controlo da pandemia. Preservamos a importância de manter as relações de confiança com todos eles para que haja interajuda entre todas as partes envolvidas. De todos eles, os profissionais de saúde são os que têm o cargo mais inabdicável. Precisamos deles, porque são os nossos principais “soldados” na luta contra esta pandemia, que dão a vida para nos salvar, e por isso merecem o devido mérito e reconhecimento. 

Todavia, apesar das adversidades a que estamos sujeitos, o coronavírus está a ensinar-nos uma grande lição: temos de trabalhar em conjunto, de modo a criar um inimigo estável e que seja resistente ao vírus; refletir não só individualmente, mas como sociedade; não só como sociedade, mas como união de um país; não só como país, mas como raça humana em geral. Pensamos que só assim, em conjunto, abstraindo-nos das nossas diferenças e sublinhando o que nos une, conseguiremos ultrapassar este período. Ao libertarmo-nos do medo, da angústia, e de todo este pairante frenesim, sem escrúpulos, e sem o eventual receio de que este episódio se volte a repetir, podemos vencer a Covid-19, que tanto nos tem atormentado e vindo a alterar de forma abominável as nossas vidas. 

Plano argumentativo

1. A integração do vírus no contexto da época

Trata-se de um acontecimento simplesmente único relativamente à existência da nossa geração, nunca antes visto, para sempre memorável. Esta não constitui uma qualquer ameaça, pois este inimigo é invisível e verdadeiramente eficaz. 

A globalização faz desta pandemia um evento global, em que todos se reúnem num só alvo na mira deste vírus. Já o vírus, “aproveita o avião, que o seu hospedeiro apanhou, e em menos de 24 horas dá a volta ao mundo.” (Henrique Monteiro, 21/03/2020) A Covid-19 contribuiu para a transformação do planeta azul num lugar perigoso para se viver e, por conseguinte, remete-nos para a pequenez da raça humana neste cenário de tal nível catastrófico, afetando todos os continentes sem distinguir homens mais poderosos ou menos poderosos. 

Em contrapartida, este vírus permitiu que a natureza voltasse a rejuvenescer e expandir-se, bem como alguns animais que agora, com o Homem sem poder sair de casa, não receiam qualquer ameaça à sua espécie. 

2. O individualismo face ao cenário pandémico

Encontramo-nos separados, afastados uns dos outros, a viver em “casulos higienizados” por imposição da pandemia, obcecados com a desinfeção dos espaços e até de nós mesmos, pois o medo de contrairmos o vírus sobrepõe-se aos princípios que anteriormente defendíamos. Perdemos, temporariamente, alguns direitos que os nossos antepassados conquistaram, nomeadamente a liberdade – agora nem de casa podemos sair. Não obstante, “O problema é que todos têm direito a tudo, às suas opiniões e às suas asneiras…Como todos têm o direito de viver com ansiedade, de ter medo, de imaginar soluções. As asneiras e as parvoíces de muitos são a liberdade de todos. E isso é o que interessa” (António Barreto,Sociólogo,29/03/2020). Como indivíduos, somos mais responsabilizados pela nossa saúde e, segundo Patrão Neves, “o cuidado em preservar a nossa saúde não é egoísta” (29/03/2020); até porque, devido ao isolamento social, o desprezo da vida individual tem aumentado substancialmente. Até mesmo as “incertezas quanto ao sentido da existência individual e coletiva num mundo que é cada vez mais individualista, repentinamente ganharam uma concretude avassaladora” (Javier Soriano, filósofo da UFMG, 28/03/2020). Neste momento radicalmente diferente das nossas vidas, algumas pessoas necessitam de cuidados psicológicos e apoio emocional, principalmente as que foram infetadas ou em recuperação. 

3. A finalidade e importância da comunicação social durante a Covid-19

Ao nível da comunicação, a indubitável falta de meios à altura, de conhecimento informático avançado e assinatura de redes, faz com que nem todas as pessoas estejam devidamente informadas. Outro fator é justamente a desigualdade de equipamentos adquiridos e as condições necessárias para o seu estabelecimento, de forma minimamente estável para o ensino à distância, por exemplo. O que seríamos se não mantivéssemos o contacto? Convém perceber a enorme importância da tecnologia; crucial durante estes dias. Como seria se não possuíssemos o conhecimento informático do qual agora, mais do que nunca no passado, sentimos imensa necessidade? Apesar de sabermos que a informação que nos é dada é apenas a “ponta do iceberg” da pandemia, estamos conscientes que também a informação pode ser necessária para salvar mortes iminentes, em último caso. 

Em contraposição a isso, deparamo-nos de forma constante com as redes sociais acompanhadas das fake news e da tamanha desinformação, que serve apenas para acentuar o pânico e a ansiedade. Deste modo, “Os que multiplicam os boatos e a desinformação, os que espalham o alarmismo, os que entopem as linhas de saúde só porque estiveram com a cunhada do primo cujo amigo acusou positivo, os que se precipitam para as urgências dos hospitais porque deram um espirro, sem quererem saber da sobrecarga do pessoal clínico que lá trabalha, os que assaltam os supermercados sem pensarem na utilidade ou consequências disso e de lá saem impantes, carregados de rolos de papel higiénico, como se o vírus desse ataques de diarreia incontroláveis, os que defendem à vida força que o Governo feche escolas e tudo o resto, desde que lhes garanta o ordenado para ficarem em casa e haja alguém que, ao invés, não fique em casa e faça o mínimo para que o país não pare e não entre em colapso. Tenho mais medo disto do que do próprio vírus.” (Miguel Sousa Tavares, 14/03/2020) 

Nesta batalha” contra o vírus, há países que se demonstram pelo menos mais responsáveis e cuidadosos do que outros, em prol de avançarem no processo de mitigação. Relativamente ao caso português, Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que “O comportamento dos portugueses tem sido exemplar e quando comparamos com outros processos, noutros países que têm altos e baixos, avanços e recuos, até agora nós encontramos um processo linear no comportamento dos portugueses e na relação com a evolução da pandemia e isso é positivo”. (Marcelo Rebelo de Sousa, 14/05/2020). Do outro lado do oceano, citamos “Enfrentem o vírus como homens, não como moleques, pô! Vamos enfrentar o vírus com realismo. Todos nós vamos morrer um dia.” (Jair Bolsonaro, 30/03/2020), algo vergonhoso dito por um chefe de estado, que retrata a completa

ignorância e o machismo de quem governa cerca de 210 milhões de habitantes. Além disso, também Donald Trump, líder democrata dos EUA, transmite a amarga ideia de xenofobia através dos seus discursos, quando afirma que a Covid-19 se trata de um “vírus chinês” que está a invadir a América e o mundo, e daí não assumir qualquer responsabilidade por algo que esteja relacionado com a pandemia, o que de facto acabou por favorecer a sua constituição como alvo de provocação. Nestes dois últimos casos de atuais lideranças da democracia, “(…) é difícil encontrar sequer a sombra da inteligência e capacidade de coordenação necessária para mitigar os danos e sofrimentos inevitáveis.” Viriato Soromenho-Marques (29/03/2020). 

Por fim, esta situação de calamidade reflete-se também nas pessoas, para que possam compreender melhor o que estamos realmente a enfrentar. Assim, a pandemia fez com que disparassem as vendas online de alguns romances que, de certa forma, estão relacionados com a situação que vivemos como “A peste” de Albert Camus ou “Ensaio sobre a cegueira” de José Saramago” sobretudo em Itália, o país que vive o pior cenário. Também alguns documentários de plataformas como a Netflix se tornaram virais e que retratam, tal como na atualidade, uma crise global de saúde e a instalação do pânico a nível global, exemplo disso é “Pandemia”, disponível na Netflix.

4. A posição da sociedade perante a catástrofe 

Ao longo de toda a nossa História, já sobrevivemos a várias pandemias e catástrofes semelhantes, mas esta é verdadeiramente o mais duro e impensável desafio em muitas décadas de sobrevivência. Nestas alturas, apesar das ambiguidades, é importante evitar que se instale o caos e o aumento da desordem, o que requer líderes coerentes e nada transparentes, que consigam impor a ordem, a disciplina no que toca à organização da sociedade e ao estrito cumprimento das normas estabelecidas. De acordo com o jornal Público, “Na China, a capacidade de controlo de Xi Jinping vai ao ponto de conseguir medir a temperatura dos distribuidores de comida a cada duas horas e, na embalagem, é obrigatório que constem igualmente os valores da temperatura de quem confeccionou a refeição, bem como o seu contacto. Os passos de cada cidadão são controlados por uma aplicação instalada no telemóvel. Em contrapartida, cada cidadão tem, por exemplo, garantidas cinco máscaras gratuitas por semana. (…)” (Natália Faria, 15/03/2020) Além disso, recorrem às câmaras dos smartphones e algumas aplicações para reportar a sua condição médica, incluindo as pessoas com quem contactaram. Será que isto preserva a nossa privacidade? Deste modo, os governos alertam as populações em massa para optarem por saúde ou privacidade, uma decisão completamente irracional. Temos, todos nós, tanto direito a desfrutar da nossa saúde como da privacidade.

Em refuta, é importante compreender que o avanço tecnológico nos permite estar, agora mais do que nunca, preparados para estudar ao pormenor um vírus. Assim, há que congratular e reconhecer o mérito da Ciência e dos que todos os dias a interpretam para que a sociedade não colapse. “Estamos a ganhar tempo numa luta que só se vence com imunidade coletiva ou com uma vacina” Ricardo Costa (21/03/2020) (incansável corrida no conhecimento científico de modo a encontrar uma vacina o mais rápido possível). 

Outro ponto relevante no meio de toda esta situação são as medidas preventivas e de contingência. A certo ponto, as instruções não se aplicam ao próprio, mas a proteger os que o rodeiam. O cumprimento destas regras é apenas o início de um enorme processo de mitigação que cobre toda a pandemia. Segundo Walter Osswald, médico e professor aposentado da Faculdade de Medicinada Universidade do Porto, ligado à filosofia através da bioética, “É preciso passar da solidariedade para a co-responsabilidade pelo outro.” (29/03/2020). Em contramão, mesmo “o melhor sistema público de saúde não poderia estar preparado para uma pandemia como esta. Ninguém e nenhuma sociedade podem viver sob ameaça constante. A vida não é um conjunto indefinido de gestos e técnicas de prevenção.” (Maria Filomena Molder, 29/03/2020). 

Esta pandemia é vista como um sentimento invasivo da nossa fragilidade; é como que um exemplo da invencibilidade da sociedade. Vivemos de unir forças a esse nível, porque esta “batalha” vai muito além das nossas diferenças.”A nossa vida não depende apenas de nós e das nossas escolha: todos estamos nas mãos uns dos outros.” (José Tolentino Mendonça, 21/03/2020) A união, que aparenta ser a única saída desta crise, baseia-se numa palavra por muitos detestada: solidariedade. Como seres humanos conscientes, e teoricamente responsáveis, temos de confiar uns nos outros e ajudarmo-nos mutuamente para atingirmos algo que nos excede e que todos desejamos: o fim da pandemia. 

Para isso, é crucial que haja partilha global de informação. O vírus que está na China não pode comunicar com o vírus que está em Itália, no entanto, os chineses podem comunicar com os italianos e ensiná-los a lidar com esta ameaça. Contudo, para que isto aconteça, é necessário um espírito de solidariedade e cooperação internacional.. Vamos optar por combater o vírus como países ou como seres humanos? Se escolhermos como países, isto vai prolongar os danos que temos sofrido, nomeadamente a crise. Se optarmos por enfrentar a realidade juntos, como seres humanos, certamente que de forma cuidada e racional, “será uma vitória não só contra o vírus, mas contra todas as futuras epidemias e crises que possam assolar a Humanidade no século XXI” (António Marinho, 17/04/2020). 

Nas sociedades modernas, existem os cidadãos que respeitam os seus deveres de forma apropriada e conveniente. Mas há outros que, pelo contrário, não dão valor ao civismo e preferem optar pela irresponsabilidade, exemplificando uma orgia de comportamentos de risco e incumprimento que acabam por prejudicar os verdadeiros cidadãos. Para além disso, existem aqueles que açambarcam produtos como géis, álcoois, máscaras e papel higiénico, esvaziando por completo supermercados – típico de consumista. “Não há necessidade de as pessoas exagerarem na aquisição de produtos. É uma atitude injusta para com os outros consumidores.” (Gonçalo Lobo Xavier, Diretor-Geral da Associação Portuguesa de empresas de distribuição, 04/04/2020). De um ponto de vista mais diversificado, é possível observar que há pessoas que assumem o papel de espécie exótica durante este período, quando se refugiam noutros países em busca de proteção mas, e porque não há como fugir há crise, acabam por se tornar uma ameaça às próprias populações nativas, que habitam determinada região. 

Finalmente, uma das preocupações que mais tem atormentado a sociedade é precisamente a solidão. Nesta fase de quarentena, muitas pessoas ao redor do mundo encontram-se em casa enclausuradas, muitas delas sozinhas, sem ninguém com quem conversar, sem ninguém que as ajude, sem ninguém que as ouça. Entretanto, também outros não podem estar com as suas famílias na íntegra e disfrutar da sua companhia, exemplo disso foi a Páscoa deste ano acompanhada da atípica celebração à distância dos entes mais queridos. Neste contexto, a solidão, por si mesma, tem os seus prejuízos: a perda da esperança, a diminuição da autoestima, e uma visão estritamente negativa do mundo. Assim, embora com uma atitude mais cabisbaixa face aquilo que nos rodeia, não podemos permitir que esse ambiente nos envolva esmorecendo, os mais novos por aborrecimento, os menos novos por insegurança. Ao invés, devemos procurar animar-nos dentro do possível e salientar a ideia de que não estamos “sozinhos”, fazendo referência mais uma vez às famílias e às tarefas diárias ou atividades de lazer que “ansiosamente nos aguardam”.

5. Pânico e desgaste dos hospitais

Relativamente à área da saúde, os grupos de mais alto risco são pessoas com mais de 70 anos, doentes crónicos e presos. Adicionalmente, esta situação acentua o pânico dos que têm outras doenças e insuficiências. Uma vez que os hospitais se encontram lotados com doentes com Covid-19, as outras doenças foram postas de parte, prejudicando o estado de saúde dos seus portadores, nomeadamente doenças cancerígenas. “Outra das questões que emergiram nesta pandemia é a dos médicos que têm de escolher entre quem vão tentar salvar e quem vão deixar morrer.” (Bárbara Reis, 29/03/2020) “A vida é feita de escolhas”, mas aqui não se trata de escolher, é como que uma obrigação e um compromisso para com o resto da sociedade, para que se possam salvar uns é necessário, mesmo que de forma inocente e avassaladora, retirar a vida a outros. Em condições de urgência e de perigo difícil, como é o caso da Covid-19, os médicos têm de fazer escolhas que não estavam previstas nem pela sua formação nem pelo modo como as regras de saúde estão instituídas.” (Maria Filomena Molder, 29/03/ 2020). “Qual a resposta mais justa para este dilema, o melhor sistema ético ou como se pesa o equilíbrio de valores?” (Bárbara Reis, 29/03/2020). Além disso, é certo que os médicos, assim como todos os que têm ajudado a enfrentar esta crise de uma forma mais acentuada, venham a viver com isto e com esta ideia retrógrada e agonizante não só a seguir ao episódio pandémico, mas a longo prazo. 

Tomando em consideração todos os aspetos relevantes relativos aos hospitais, “Só no fim se vai perceber que morreram mais pessoas do que habitualmente com outras doenças, por estar tudo sobrecarregado com a Covid-19.” (António Sarmento – diretor do serviço de infecciologia do Hospital de São João, onde se concentra o maior número de infetados pelo coronavírus no país, 28/03/2020).

6. Pensamento – Vulnerabilidade da condição humana 

Esta crise pandémica está sem dúvida a ter um grande impacto na humanidade, sobretudo a nível mental, esta pandemia constitui, de uma maneira ou de outra, uma ameaça à nossa fragilidade humana do ponto de vista moral. A incerteza de conseguir prever o fim é difícil para todos, dos mais novos aos menos novos sem exceção. Acompanhada do crescente “confronto” com nós mesmos, surge a adjacente alteração de comportamentos, que tudo aponta para a angústia e o desespero deste nosso isolamento. “É o psicológico e não o físico que derrota. Eis o drama em que nos encontramos. Nós não vamos estar ‘safos’ ao fim de duas semanas de quarentena. Não sabemos o fim desta provação. Quando acaba. O coronavírus é ‘tramado’. (…) Está nas suas sete quintas” Luís Pedro Nunes (21/03/2020). Além disso, “Nas relações interpessoais nota-se um aumento dos níveis de stress e conflitualidade, provocados pela crise e pelo isolamento social.(…) Os mais novos tendem a considerar-se a salvo e os mais velhos vivem aterrorizados ou resignados” João Cardoso Rosas (29/03/2020). 

Repentinamente instalou-se a dúvida sobre o futuro de todos nós, Como será amanhã? E para a semana? E daqui a um mês? Quando é que isto acaba? Será daqui a dois ou três meses? Ou irá além disso?, e assim surgem questões por toda a parte que parecem não ter fim, além das devidas consequências, E depois? Continuaremos distanciados uns dos outros? Mas acima de tudo o resto, as pessoas, além de quererem saber quando irá terminar esta crise pandémica, preferem saber como irá terminar. 

Estamos todos fechados em casa, não temos para onde ir, assim que é necessário zelarmos pela nossa saúde e sanidade mental, recusar o aborrecimento, e a monotonia que precedem a depressão. Desta forma, estamos a evitar que se instale a “quarentena mental”, “(…)é tempo de sair da mentalidade pré-científica e obscurantista quando se fala das sociedades, tal como se saiu disso quando se falava dos planetas, desde o tempo de

Galileu.” Desidério Murcho, professor de Lógica e Metafísica na Universidade Federal de Ouro Preto (29/03/2020). A fim de cumprir esse objectivo, a sociedade requer uma visão progressista apesar do invisível progresso e da intemporalidade, um maior comprometimento com o bem-estar social, por outras palavras, perceber o significado da vida em sociedade. Outrossim, começamos a perceber que mesmo distanciados uns dos outros, continuamos unidos, já que é através da comunicação e dos meios que temos à nossa disponibilidade, que se transmite a motivação, em muitos casos a fé, necessária para nos mantermos otimistas e “juntos” em comunidade pelo que a esperança, no final de contas, é sempre a “última a morrer”. 

Segundo João Constâncio, professor de Filosofia e director do Instituto de Filosofia da Universidade Nova de Lisboa, “Esta crise irá ter (ou já está a ter) uma dimensão comparável com a das crises que se vivem em tempos de guerra (o que não equivale a dizer que é uma guerra). O que isso pode provocar nas pessoas, sobretudo nas mais jovens, é um sentimento do peso, da urgência e da seriedade da vida que contraste em absoluto com a leveza, a descontração com que se tende a viver hoje nas sociedades que são mais responsáveis pela destruição do planeta. Só um tal sentimento – se for generalizado – pode mudar o muito que precisa de ser mudado no modo como vivemos e nos organizamos. É difícil crer nisso; é mais difícil prever isso; mas é isso que é desejável.” (29/03/2020).

7. O valor da vida contraposta ao medo da morte 

Um dos impactos mais discutíveis da Covid-19 na humanidade é precisamente a questão do medo, do medo da morte, e da ideia que o vírus nos anda a perseguir sem contemplação, conduzindo-nos à obscuridade e à reflexão como seres mortais. Vários autores têm destacado este tópico da morte a partir das seguintes perspetivas. Segundo Maria João Mayer Branco,professora na Universidade Nova de Lisboa, “A morte não acontece apenas em momentos críticos, em estados de emergência – estar vivo é podermos morrer a qualquer momento, ou seja, a vida é a morte iminente em cada instante. A prática desta consciência traz a noção da nossa tremenda vulnerabilidade e do quanto a vida é valiosa, justamente porque a podemos perder a qualquer momento. Como Kant esclareceu, “sabemos todos que somos mortais, que somos finitos, que vamos morrer”, mas convivemos “com a tese oposta, a de que a nossa alma é imortal, de que não morremos”, e “não fazemos ideia do que é que isso significa.(…) Os humanos são os que sabem, desde muito cedo, que vão morrer: isso distingue-nos dos outros seres vivos. Quando a morte deixa de ser uma abstração, uma possibilidade remota ou teórica, pode começar a preparação para a morte de que falava Platão, pode começar o exercício filosófico de viver com essa possibilidade diante de si, de a confrontar, de a ponderar, de pensar diariamente nesse impensável que pode estar ao virar da esquina – e não apenas quando um vírus nos ameaça”. (29/03/2020). Também Patrão Neves considera que podemos de facto adaptarmo-nos à morte , trata-se de uma questão de tempo: “Refletir filosoficamente sobre a morte é ganhar a possibilidade de integrar este dado na nossa vida, conferir-lhe sentido e, assim, ganhar poder sobre a morte. A morte deixa de ser um acontecimento extrínseco, para se tornar uma realidade intrínseca à nossa existência. É viver com a consciência de termos os dias contados.” (29/03/2020). 

Na questão dos hospitais, ainda António Sarmento é da opinião que: “Uma coisa é prolongar a vida, outra é prolongar a morte. A um doente que está a chegar ao fim da vida, um ventilador prolonga-lhe não a vida, mas a morte.” António Sarmento (28/03/2020). 

Por último, a questão do medo da morte resume-se ao remate consciente de Henrique Monteiro: “(…)o medo faz parte dos mais antigos instintos dos animais.(…)O medo é fundamental à sobrevivência; quem não o tem atira-se de um 15º andar ou para o meio de uma fogueira. O medo, como diz o bispo Alves Martins acerca da religião, deve ser como o sal: nem de mais nem de menos. Por isso, aqueles que acusam todos de estar a espalhar o medo pensem se o medo espalhado não é, também ele, um apelo à consciência e à sobrevivência dos seres”(21/03/2020).

8. Casos Autênticos 

Esta crise pela qual estamos a passar gerou uma significativa onda de tristeza, devido às inúmeras mortes que a doença provocou, conjugada simultaneamente pelo medo da morte e a resistência na luta para a sobrevivência. Apesar desse drama, há quem tenha sobrevivido a esta doença devastadora, ainda que contra as expectativas, e assim são exemplos que conseguem dar coragem às restantes para continuarem com esperança e a não desistir. Tratam-se de verdadeiros casos de fontes de inspiração. Uma mulher americana de 101 anos que já tinha sobrevivido à gripe espanhola, resistiu à Covid-19; María Branyas, que era a mulher mais velha de Espanha, passou a ser a mais velha do mundo ao sobreviver à Covid-19; Luciano Marques da Silva com 100 anos também venceu a Covid-19. “Resistir ao coronavírus aos 100 anos de idade é um feito que contraria a elevada taxa de letalidade do vírus que, nas pessoas acima dos 70 anos, já ultrapassa os 10%, segundo os últimos dados oficiais.” (Natália Faria, 6/04/2020). Além disso, também o caso de Suzzane Hoylaerts, belga de 90 anos, faleceu após recusar a respiração por ventilador, ao afirmar: “Guarde-o para os jovens. Eu já tive uma bela vida.” (Público, 2/04/2020) Pode-se inferir que “São casos como este que nos dão força para continuar a lutar nesta guerra.” (Natália Faria, 6/04/2020).

9. A Covid-19 na perspetiva da gíria estudantil 

Para os adolescentes, esta fase também não está a ser nada fácil. Estão aborrecidos, uns por os dias parecerem mais compridos, outros por “passarem a voar” mas, acima de tudo, estão preocupados com os seus familiares e amigos que pertencem aos grupos de risco, em particular os avós, que podem acabar por ser contagiados. Outra das suas preocupações é o seu percurso escolar, cujo futuro é incerto. “Sem poder ir á escola, sem ter a presença física dos amigos e privada de coisas tão banais, como sair à rua, é natural que os dias custem “mais a passar” (Clara Viana, 8/04/2020). Os adolescentes, que antes não manifestavam grande interesse em estar com as suas famílias, nesta época de calamidade e de distanciamento social, sentem a sua falta e dão verdadeiro valor ao tempo que estiveram com eles, em alguns casos arrependendo-se desse tempo não ter durado mais. Para além disso, afirmam também que, ao falarem com os seus amigos e ao sentirem a sua presença reconfortante, ficam otimistas e acreditam que tudo isto terminará mais rápido, e melhor. Com eles, sentem-se menos preocupados, conseguindo abstrair-se da situação que os rodeia. Contudo, a ansiedade não desaparece de todo, bem como a vontade de pôr fim a este “episódio de um filme de terror”. Apesar do constante frenesim nas suas mentes, os adolescentes acreditam que sairão “diferentes” desta experiència, inclusivamente “melhores” do que eram antes. 

Seguidamente, a sociedade constata alguns argumentos a propósito do pensamento dos adolescentes perante esta situação. Lisa Damour defende que “por serem tão novos, e, portanto, terem muitos menos anos de vida, esta disrupção da normalidade constitui “uma grande proporção do tempo de que têm em memória” e que, assim sendo, “É bem maior para eles do que para nós.” Uma vez que o ramo social “é a centralidade da vida do adolescente, existe um potencial trauma resultante do afastamento de determinadas experiências sociais, da perda de determinados eventos, como viagens de finalistas, festas.”, descreve o psicólogo João Veloso, além de considerar que “É importante ajudar os jovens a desenvolver projetos altruístas que darão sentido ao isolamento” (8/04/2020).

10. Futuro – após a pandemia 

Embora estejamos na presença de um clima catastrófico, já existem visões futuristas, relativamente aos impactos na sociedade após a crise, e como será efectivamente o retorno à normalidade, “A normalidade como a conhecemos, não voltará a reconstituir-se.” (Viriato Soromenho-Marques, 29/03/2020) Será que, após a pandemia, existirá um “mundo novo”? Semelhante a um período pós-guerra? “Não sei se haverá um novo mundo pós-Covid-19. Mas ouso esperar que se operem mudanças. Que um profundo questionamento – filosófico, crítico e auto-crítico – tenha lugar e oriente as nossas escolhas.” (Desidério Murcho, 29/03/2020). 

Em primeiro lugar, é certo que a Covid-19 irá deixar “feridas” psicológicas em toda a sociedade, bem como a recuperação lenta uma vez que não há zonas de fuga à pandemia. De acordo com João Cardoso Rosas, “A tendência geral das sociedades após uma guerra ou calamidade consiste em voltar às rotinas anteriores. Isso acontecerá, mas desta vez em plena crise económica.” (29/03/2020). Passada a pandemia, somos de acordo que haverão novas perspectivas da realidade e uma sobrevalorização da essência dos valores da vida, contraposta à desvalorização de coisas supérfluas, “(…)a reflexão sobre esta nova experiência deve conduzir a novas perspetivas sobre a realidade e à forma como desejamos viver a vida, a vida boa que Aristóteles e Ricoeur se esforçaram por definir(…)seria irresponsável fazer tábua rasa do sofrimento, dor e prejuízo para retomarmos os velhos hábitos, a anemia social, o individualismo exacerbado, a tentação do domínio total das forças da natureza, o cientismo acrítico.” (Walter Osswald, 29/03/2020). 

Sabemos que a realidade que se aproxima será, quase de certeza, muito diferente daquela que conhecemos, mas receamos que se torne bastante pior, isto se não tivermos aprendido com as lições desta catástrofe histórica, desta experiência de vida aterradora que nos marcará eternamente. Além de que se acentuará “a necessidade de formação ética da maioria das consciências. Temos vivido sob o paradigma estrito da eficácia e rentabilidade.”, afirma Maria Luíca Portocarrero Silva catedrática da Universidade de Coimbra, especialista em fenomenologia hermenêutica e ética aplicada (29/03/ 2020).

Conclusão

Esta pandemia tem dado que falar, mas uma coisa é certa: seremos, em conjunto, muito melhor vistos e aplaudidos se tirarmos vantagem da pandemia, e atingirmos o sucesso de uma forma mais comprometida para com todos os países, comunidades e todos aqueles que, de uma maneira ou de outra, contribuíram para ajudar a ultrapassar este vírus e esta calamidade que se tem mostrado tão resistente. 

Desta forma, decidimos concluir o nosso ensaio com esta ilustre citação: “Não é o vírus que fará o que quer que seja às sociedades. O destino será o que as pessoas quiserem fazer para lutar contra o vírus, pela saúde e pelo futuro. (…) Não é por causa do vírus que teremos, a seguir, mais liberdade, mais segurança, mais igualdade e mais decência. Se tivermos, é por causa de nós, Se não tivermos, é por nossa causa.” (António Barreto, 29/03/2020).

Bibliografia

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